terça-feira, 10 de maio de 2011

Este rio é minha rua...


"Esse rio é minha rua
Minha e tua, mururé
Piso no peito da lua
Deito no chão da maré
"
(Paulo André e Ruy Barata)


 Na minha terra, no Norte, o rio  é muito mais que um lugar  para retirar os alimentos, uma via para transportes ou até mesmo fundo de esgoto... é significado de vida para muitas pessoas, que  de alguma forma dependem do rio, moram no rio, andam pelos seus longos trajetos, e muitas vezes, nunca saíram da "beiro do rio", não é a toa que são chamados de "ribeirinhos"... O rio que dá abrigo e alimento a tantas pessoas  virou canção, virou história... tornou-se vivo...

O trecho da canção que citei é de um carimbó muito famoso no Pará, este ritmo conta coisas cotidianas da vida ribeirinha, da mata, da cultura indígena, da Amazônia, que a princípio pode parecer rude e simples, mas seu significado e sua força está justamente na simplicidade de mostrar a vida,  cujas mensagens subliminares se apresentam em letras tão próprias... Vejam o trecho citado, inicia falando da função do rio... ele é a rua.. caminho único a ser trilhado todos os dias.... de barco, de canoa, de qualquer jeito em seus inúmeros furos (braços de rio) usados para levar as pessoas aos seus destinos. Quem trafega no rio, o divide com "mururé", palavra tupi ( muru'ri) que designa várias plantas de folhas grandes e largas, ou seja, o ribeirinho não está só no rio... Ele divide o espaço com a natureza, com as plantas, e com tudo que ali habita.
Quando a canção fala "piso no peito da lua e deito no chão da maré", pode-se pensar na maravilhosa sensação de proximidade da natureza, culturalmente naturalizada, pois a lua cheia se reflete no rio e revela seu verdadeiro tamanho e força, especialmente relevada nos saberes populares e no respeito às influencias da lua no cotidiano das pessoas (na própria maré quando enche e seca, no período apropriado para cortar o cabelo, no tempo de um parto, no período de um remédio, etc.). Penso que ao ver a lua de perto é possível pisar nela pelo rio, e, ao mesmo tempo, deitar-se na maré... Isto não é magnífico?
 E pensar que muitos de nós, inclusive nortistas, desconhecem ou ignora os saberes da terra, o valor do rio...
Tarde de maré cheia na UFPA (Fonte: Emerson Duarte)

Em Belém há poucos lugares para ver os rios (porque a maior parte da 'beira rio' da cidade está nas posses de empresas privadas), mas um lugar muito especial é a vista do "Rio Guamá" na federal (UFPA), não dá para imaginar aquele lugar sem seus bancos cheios de jovens que conversam ao fim da tarde, sem as pessoas contemplando o luar, ou a chuva... ou até mesmo pegando o frescor das águas correntes e escuras deste enorme rio... que nos acalma, nos escuta, nos inspira... contemplar o rio, seus pequenos barcos, suas canoas viajantes e sua imensidão, é deixar um pouco a luta diária e pensar em nós, no íntimo de nossas angústias, objetivos e vitórias.. é como se ele falasse.. "eu sou um caminho, muitos passam por mim e não me enxergam, muitos sobrevivem de mim e não me agradecem, muitos nascem de mim e me esquecem, mas eu estou aqui feliz em te receber sempre"... É preciso mobilizar para cuidar de nossas águas, pois a "carência de saneamento, aliada ao crescimento populacional, tem comprometido os recursos hídricos do sistema hidrográfico da cidade, que apesar de abundantes, vem gradativamente sofrendo os efeitos da carga poluente neles lançada" (BRAZ, 1997). Por isso, este mesmo rio que é vida para o homem, pode se tornar inútil (morrer), pelas ausência das atitudes deste 'homem', que não lutam pelas políticas necessárias de preservação da vida.

Lutar, amar e viver a natureza é respeitar nossa própria vida!!!!


Referência:
BRAZ, V.N., MENEZES,L.B.C., OLIVEIRA, M. Situação atual dos lagos do complexo hídrico do Utinga, Belém-Pa, em relação aos parâmetros bioquímicos e bacteriológicos. In: 19º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Foz do Iguaçu, 1997 p.377 – 377. 

2 comentários:

  1. Lindo!
    O exposto acima é um misto de genialidade e poesia...
    Retrata de maneira poética uma realidade da nossa terra, tão rica principalmente em cultura e tão pouco valorizada, uma pena!
    Que bom que existem pessoas brilhantes como você Luciana, para nos proporcionar esta leitura.

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  2. Como disse Marla, é uma realidade pouco valorizada, ainda mais em tempo de ampliação do capital na lógica da destruição da natureza. Esse será o quadro caso a Hidroelétrica de Belo Monte venha a ser implementada.
    Devemos lutar pela natureza, dentro de uma relação racional de uso pelo ser humano, e não na lógica da produção de mercadorias desenfreada que o capital impõe ao ser humano.
    O relatório de impacto ambiental do IBAMA demonstrou 32 problemas que serão gerados com a construção de Belo Monte.
    Já nos basta o que Tucuruí causou ao meio ambiente e a população que vivia ao entorno.
    Outras formas de produzir energia já são do domínio da humanidade, devemos investir nelas.

    Abraços,

    Emerson

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