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Reproduzimos,
por sua importância diante da necessidade para os comunistas de
aprofundar a discussão e a compreensão da crise que assola o
imperialismo, o texto “Escolher entre a destruição do capital ou a da humanidade”, publicado em O Comuneiro,
revista eletrônica dirigida por Ângelo Novo e Ronaldo Fonseca. O texto
publicado é o último capítulo, com alguns acrescentos colhidos no miolo
do seu penúltimo livro ‘Démanteler le capitalisme ou être broyés’, Éditions Page Deux, Lausanne, 2011, texto traduzido e com arranjos e subtítulos de Ângelo Novo.
Escolher entre a destruição do capital ou a da humanidade
O capitalismo é a contradição em ato, segundo a excelente definição de Karl Marx. Por exemplo:
-
O capital não existe senão pela sua valorização permanente, mas cada
capitalista aumenta quanto pode a sua produtividade, o que, por fim,
resulta numa redução do seu fundamento, o trabalho produtivo.
- Cada capitalista esforça-se por aumentar a taxa de exploração dos seus trabalhadores, para aumentar a mais-valia (doravante mv) produzida, mas então o consumo não se desenvolve o suficiente para a realizar pela venda no mercado.
-
Ele desenvolve o crédito para acelerar a produção e o consumo (aumentar
a velocidade de rotação do capital), e cria assim um montão de capital
fictício e de mv fictícia, desembocando nas catástrofes financeiras destruidoras e no bloqueamento da produção capitalista fundada no crédito.
-
Ele quer economizar nos custos de produção, e dá assim causa a
desastres ecológicos que acabam por os elevar, para além de causar
múltiplos outros desperdícios.
-
Fundado sobre a apropriação privada dos meios de produção e das
riquezas, ele desenvolve necessariamente, cada vez mais, a luta entre os
capitais por essa mesma apropriação, bem como conflitos e lutas de
classes que o enfraquecem e, assim o esperamos, acabarão por abatê-lo.
A
reprodução do capital é a sua acumulação, o seu crescimento. O que é
dizer, também, o acréscimo das suas contradições. Elas tomam um caráter
cada vez mais antagónico com esse acréscimo, a ponto que o sistema não
sobrevive mais senão através de crises nas quais o capital é
desacumulado, desvalorizado e destruído, em grande parte. Hoje em dia,
esse acréscimo é muito fraco, mais ou menos estagnado, e a retoma de um
novo ciclo de acumulação, com algum vigor e durabilidade, não é mais
possível.
É sabido que a taxa de lucro, único objetivo perseguido conscientemente por cada capitalista, é a relação entre a mv que ele obtém e o capital-dinheiro que ele avançou para a obter.
É
sabido, igualmente, que existe uma tendência incessante ao
estabelecimento de uma taxa média de lucro entre todos os
capitais-dinheiro, já que todos pretendem, evidentemente, ter acesso ao
mesmo rendimento, sejam eles produtivos ou improdutivos, de forte ou
baixa composição orgânica. Esta taxa média de lucro forma-se por
intermédio da fuga de capitais dos ramos de produção com taxas lucro
mais baixas para os ramos com taxas de lucro mais elevadas. Este
movimento provoca um abaixamento dos preços de venda dos produtos e, por
conseguinte, das taxas de lucro, nos ramos produtivos que recebem os
capitais novos, sucedendo o inverso nos ramos de onde fogem esses
capitais. Este mecanismo, dito de perequação das taxas de lucro, resulta
finalmente numa repartição da mv global em favor dos ramos com mais forte composição orgânica. Na realidade, estes capitais particulares não recebem mais mv do que a que produzem, mas recebem, isso sim, uma parte da mvglobal
(por intermédio do preço de venda das mercadorias, que difere, mais ou
menos, dos seus valores) de tal forma que as taxas de lucro de
equalizam.
A mais-valia tem de ser partilhada com uma massa crescente de capitais improdutivos
Ora,
os capitais improdutivos, comerciais e financeiros, participam na
diminuição dessa taxa de lucro média, pois que exigem ser remunerados
com ela, ou seja, com a sua “justa parte” de mv, muito embora não produzam nenhuma.
Os capitais comerciais e financeiros especializaram-se como meios para diminuir a parte de mv
que essas funções retiram ao capital produtivo. No entanto, o seu
próprio desenvolvimento, redundou, apesar de tudo, numa punção cada vez
mais maciça sobre essa mv global. De tal sorte que o
capital comercial, e mais ainda o financeiro, constituem hoje fatores de
uma considerável desvalorização do capital produtivo. Se – conforme
calculam de forma aproximativa alguns economistas – cerca de 40% dos
lucros totais das empresas são captados pelo capital financeiro, e 20% o
são pelo capital comercial (parte estimada dos custos comerciais no
valor produzido), então são já 60% da mvproduzida que não participam na valorização e na reprodução do capital produtivo.
Mas não são apenas os capitais comerciais e financeiros que consomem improdutivamente uma parte da mv.
O crescimento capitalista é acompanhado, de forma necessária, por toda a
sorte de “consumos improdutivos”, de ramos industriais, tais como os do
luxo ou o dos armamentos, que consomem maismv social do que a que produzem em particular. Por fim, há ainda a multitude imensa dos falsos encargos (“faux frais”),
que cresce incessantemente sob o capitalismo: gastos com o aparato
repressivo, de condicionamento ideológico, ou a tentar concertar aquilo
que não teria sido destruído (poluição, saúde pública, urbanização
demencial, etc., etc.) não fosse a corrida infrene ao lucro. Todos estes
desperdícios e falsos encargos exercem também a sua poderosa punção
sobre a mv social, sem acescentar qualquer valor de uso novo.
A produção de mais-valia tende a diminuir
Outra causa maior de desvalorização do capital, pois que situada na própria fonte de produção da mv, no processo de produção, é a diminuição constante da quantidade de trabalho produtivo que aí é empregue.
É
sabido que o meio essencial pelo qual cada capitalista tenta aumentar o
seu lucro é, desde há muito tempo, o desenvolvimento da produtividade. E
isso é obtido substituindo o trabalho vivo (capital variável ou cv) por uma maquinaria cada vez mais aperfeiçoada (capital constante ou cc),
de tal sorte que a produção de uma mesma quantidade da mesma
mercadoria, requer a mobilização de uma quantidade menor de capital (cc + cv). Para que isso se processe, porém, é necessário que o aumento de cc seja inferior à diminuição de cv obtida.
Essas
elevações da produtividade induzem uma baixa do valor de cada
mercadoria assim produzida. Desenvolvendo-se progressivamente em todos
os ramos de atividade, isto desemboca numa diminuição generalizada dos
preços, tanto dos meios de produção como dos bens de consumo. Essa
diminuição de preços, podendo ser contrastada com salários estáveis (ou
até em ligeiro aumento), conduzem a uma elevação do nível de consumo, o
que permite escoar uma produção tornada mais massiva, e realizar desta
maneira uma maior quantidade de mv. Foi o que se passou, em traços gerais, no período dos “trinta anos gloriosos” do último pós-guerra.
Mas
as elevações constantes de produtividade, sem as quais o capital não
poderia conhecer uma reprodução alargada, acabam por trazer problemas,
apesar dos aumentos da produção e do consumo que provocam numa primeira
fase. Baixando constantemente a quantidade empregue de trabalho produtor
de mv, atinge-se um ponto em que se afundam, ao mesmo tempo, a produção desta mv e a sua realização.
A
crise obriga os capitalistas a adotar medidas aptas a relançar a
valorização do capital. Ora, hoje em dia, eles defrontam-se com
dificuldades intrínsecas para acrescer a produção de mv sem diminuir a sua realização (o consumo, enfim). Isto por três ordens de razões (1):
1.
O nível de automatização e de potência atingido pela maquinaria (o
capital fixo) é já muito elevado, integrando um forte conteúdo
científico, tanto em termos de ciência fundamental e aplicada como em
tecnologias. Por essa razão, toda a elevação suplementar da
produtividade custa cada vez mais caro em capital. Ora, pela mesma
razão, a quantidade de trabalho produtivo contida no valor das
mercadorias produzidas é relativamente baixa (as estimativas correntes,
mais ou menos fiáveis, avançam um número da ordem dos 20%). Uma
mecanização acrescida, com melhor desempenho, custará pois caro, para
uma economia de trabalho vivo escassa. Quer isto dizer que aumentar ccmenos do que a correlata diminuição de cv,
condição para que haja um aumento de produtividade, torna-se muito
difícil, não rentável ou quase nada. Isso se manifesta, desde logo, pelo
facto de que, frequentemente, uma larga parte dos lucros não é
reinvestida em pesquisa e em máquinas de melhor desempenho, sendo antes
consagrada, por exemplo, ao resgate de ações, ao pagamento de dividendos
mais elevados, à aquisição de outras empresas (OPA’s), etc..
2. Face a estas dificuldades em aumentar a mv relativa (produtividade), os capitalistas têm de conduzir os seus esforços para o aumento da mv
absoluta, nomeadamente pelo acréscimo da intensidade do trabalho
durante as horas de trabalho e a estrita limitação do tempo contratado a
essas únicas horas (precaridade dos empregos, flexibilidade dos tempos e
dos postos de trabalho, rapidez dos gestos). Tudo isto, ainda que
incidindo sobre uma quantidade de trabalho relativamente fraca, pode ter
um certo rendimento, na medida em que não haja aumento de cc,
ou o haja muito pequeno. Em seu desfavor, trata-se de uma forma muito
mais clara e brutal de exploração dos proletários, o que conduz à
acentuação da luta de classes e enfraquece o capital por esse lado.
3. Resta
sobretudo aos capitalistas a via radical do abaixamento dos custos
salariais (especialmente em termos de custos salariais unitários), muito
praticada neste período histórico, desde logo através das
deslocalizações (globalização), depois com a destruição das conquistas
sociais (o salário dito indireto, mais exatamente o salário social) lá
onde elas existem, a inflação monetária, as altas de impostos, etc..
Mas, aí também, esta formidável agravação da situação dos proletários
dos países desenvolvidos - enquanto que a dos camponeses pobres que se
proletarizaram nos países ditos “emergentes” estagna no plano mais fundo
– é um poderoso factor de acentuação da luta de classes.
Em
conclusão, vemos que superar as dificuldades causadas à reprodução do
capital por todos os fatores que o desvalorizam conduz a esta outra
dificuldade maior, representada pelo nível atingido pela diminuição do
trabalho vivo que produz a mv relativamente à forte
mecanização dos processos de produção. Situação nova pela sua amplitude
(a produtividade aumentou mais na última metade do século XX que nos 200
anos precedentes), que obriga os capitalistas a colocar em campo, de
forma rápida e brutal, as medidas evocadas nos pontos 2. e 3. acima
expostos.
Vê-se, desta forma, que à custa de cortar na quantidade de trabalho produtivo de mv por
si empregue, e no preço com que o paga, o capital tem nisso um tal
sucesso que acaba por obter um resultado contrário ao que obtinha até
agora por este meio: é a produção e a realização da mv
que se vêm comprometidas, tanto é verdade que esta última não é senão
uma parte (o sobretrabalho) da quantidade total de trabalho (mv + cv), devendo pois, inelutavelmente, acabar por diminuir com a diminuição desta.
A
catástrofe financeira de 2008 mostrou que a acumulação de capital nos
últimos trinta anos foi, por uma larga medida, artificial, pois que a
produção de mv, o “crescimento”, foi baseada num
crescimento monumental das dívidas. Este crescimento desmesurado do
crédito foi também, evidentemente, o crescimento do capital financeiro e
das especulações. Segundo os “economistas”, terá sido o capital
financeiro, e ele apenas, que, vampirisando o capital produtor, arruinou
o crescimento, o emprego e o bem estar geral. Fizeram do capital
financeiro o bode expiatório da crise. Na realidade, a sua queda
precipitosa não fez mais do que revelar que a acumulação do “bom”
capital produtor estava fundada numa acumulação de dívida.
A idade senil do capital
O capital não tem mais possibilidades (ou tem-nas muito restritas) de aumentar a produção-realização de mv,
devido à diminuição do trabalho produtivo que ele pode assalariar, e
que assalaria cada vez por menos. Dito de outra forma, a diminuição do
valor das mercadorias produzidas (cuja grandeza é medida pela quantidade
de trabalho social nelas contida) é de tal monta que a própria mv
por elas contida se torna mínima. É o crescimento dos seus próprios
valores de uso, nomeadamente quando se trata de meios de produção, que,
pela sua potência, diminui e desintegra os seus valores de troca, que
são os únicos que contam para o capital.
Este
estádio histórico da acumulação do capital é o da sua idade senil. É
toda uma época de crises, de desemprego crescente, de conflitos
violentos, de destruições, e também de resistências, que é preciso
transformar em revolução. É certo que nem todos os países desenvolvem
esta crise ao mesmo ritmo. Alguns conhecem ainda um crescimento bastante
vivo, sendo a China o exemplo sempre mais citado (2).
Mas, aí mesmo, também existe crescimento do desemprego e, mais
genericamente, crescimento das mesmas contradições operantes nos outros
países: o nível da mecanização e da produtividade é também muito elevado
(à exceção da agricultura e da minas), bem como o do crédito, além de
estar dependente de um mercado mundial saturado. Segue-se que, também
aqui, não é possível um regime de acumulação keynesiano-fordista e os
baixos salários são a condição da valorização (sabe-se, aliás, que é por
isso que os capitais se «deslocalizaram» em massa para aí). Ora, eis
que as lutas salariais se desenvolvem aí (recentemente, em particular,
no Bangla Desh e na China). É certo que uma elevação dos salários
poderia aí elevar o consumo interno, o que seria necessário, para tentar
compensar a baixa do consumo nos países importadores das suas
produções. Mas isso enfraqueceria esta condição última da valorização
dos capitais, na época do capitalismo senil.
É
certo que o capital pode se manter ainda neste estado senil, enquanto
não se encontrar confrontado com um movimento revolucionário
suficientemente possante para impedir a sua sobrevivência, a qual não
pode dar-se, na nossa época, senão fundada numa pauperização absoluta
dos proletários. Este movimento terá que o abater. Não se trata de
afirmar que uma situação de crise, de crescimento do desemprego e de
pauperização das massas cria automaticamente uma situação
revolucionária, um movimento comunista poderoso. Não existe uma tal
determinação unilateral, uma cronologia inelutável crise-revolução. Na
verdade, a elevação do nível de luta dos proletários faz parte da crise
do capital: é ela que a pode levar ao seu limite, do mesmo modo que é a
crise que a estimula. Ou, pelo contrário, se esta luta é demasiado
débil, permitir-se-á ao capital aumentar a taxa de exploração, a
pauperização das massas de expulsos do emprego, supranumerários
definitivos deste capitalismo senil, bem como as destruições de toda a
ordem às quais ele é obrigado a entregar-se, para se sobreviver a si
próprio.
O facto é que,
nesta situação histórica específica, o capital já não tem migalhas
salariais algumas para distribuir aos proletários, nem mesmo a uma larga
parte das camadas médias. É certo que se locupletou de uma forma
monstruosa, mas tem dificuldade em valorizar, como capital, as riquezas
fabulosas que possui e que amontoa, consome no luxo mais desabrido,
desperdiça nas despesas mais improdutivas e inúteis, dissipa nas suas
crises. No plano político, é o fim do “reformismo” que permitia manter a
ordem social enlaçando os trabalhadores no sistema por meio de uma
relativa melhoria do seu nível de vida. A pobreza não era, para muitos,
nos países desenvolvidos, senão relativa, por confronto com o
açambarcamento burguês. Ela agora torna-se absoluta para muitos.
As ilusões reformistas
No
entanto, os ideólogos e políticos da “esquerda” procuram ainda arrastar
os proletários para este terreno. Eles acenam ainda com as mesmas
propostas, apesar de já mil vezes experimentadas, em nada tendo abolido a
condição proletária nem enfraquecido a acumulação e a reprodução do
capital. Giram sempre em torno das mesmas basófias: tomar aos ricos, mas
sem abolir a propriedade burguesa dos meios de produção nem a classe
burguesa; controlar o Estado, o qual, governado por eles, “regularia” o
capital e “colocaria a economia ao serviço do homem”; assegurar o
desenvolvimento de um “capital bom”, produtivo, investidor, criador de
emprego, que suplantaria o “mau capital” financeiro, etc.. Não se
reproduzirá aqui a lista completa nem a crítica a estes disparates. Em
vez disso, detenhamo-nos por um instante no que parece hoje ser, mais do
que nunca, o ponto central das lutas proletárias imediatas neste
capitalismo em crise: o emprego, pelo menos enquanto o rendimento dele
depende (aí incluída a reforma, onde ela existe).
Emprego
é um termo vago, que recobre todo o tipo de atividades, muito
diferentes, nos seus conteúdos como nas suas remunerações. Um emprego de
um quadro superior não tem nada a ver com o de um proletário, como é
bom de ver. Não se falará aqui senão do emprego proletário, que é o das
grandes massas, e sobretudo o da grande força oposta ao capital, a única
que lhe é antagonista até ao fim, até que ambos sejam abolidos.
É
certo que o desemprego proletário sempre existiu no capitalismo, e
muitas vezes tão massivo como hoje em dia. A existência deste “exército
de reserva” é inerente à existência do capital. Mas o que há de
particular no presente estádio do capitalismo senil, é que ele se torna
estruturalmente crescente, que não se trata já de proletários em reserva
à espera de serem empregados aquando de um próxima aceleração da
acumulação de capital. Trata-se de supranumerários definitivos, por
razões que já expusemos acima. Os economistas suspiram que será
necessário um crescimento anual do PIB de pelo menos 2%, nos países
centrais do capitalismo, para que o desemprego aí, tão só, deixe de
aumentar. Ora, como vimos, a produção-realização de mv
já não pode ser suficiente para conseguir isso de forma durável, tendo
em conta a massa da capital (produtivo e improdutivo) a remunerar.
Poderá talvez consegui-lo ainda em alguns períodos muito curtos, mas não
mais do que isso. Quanto mais não seja porque o sistema de crédito
maciço que susteve articifialmente o crescimento nestes últimos anos se
revela completamente esgotado, desde logo porque os emprestadores de
último recurso - os Estados e seus bancos centrais - estão em falência,
ou à beira da falência. “Estou ao leme de um Estado em falência”,
reconheceu o primeiro-ministro francês François Fillon, desde setembro
de 2007.
Em resumo, não
pode haver neste estádio senão estagnação, e mesmo tendência a um
decrescimento global da massa de proletários que o capital pode empregar
a tempo completo. O capital é configurado de tal forma que, quando não
pode mais extorquir suficiente sobtretrabalho e convertê-lo em mv, ele suprime o trabalho necessário (3), ou seja, reduz ou suprime o emprego. Mas como o trabalho dos proletários lhe é também indispensável para obter a mv,
e como deve também igualmente tentar mantê-los num estado de aceitação
mínima do sistema, afirma pela voz do Estado querer, apesar de tudo,
“salvar o emprego”. Como se o Estado o pudesse! Este salvamento é
apresentado como sendo do interesse geral, como se o trabalho proletário
fosse uma finalidade humana, que justifica todos os sacrifícios
daqueles que têm “a sorte” de estarem empregados, ou daqueles que o
queiram estar por forma a dispor de um rendimento. Pois que salvar o
emprego resulta, como é óbvio, do restabelecimento dos lucros. Deste
modo, as “reformas” não consistem, hoje em dia, no capitalismo senil, em
mais do que a agravação sistemática da exploração dos proletários,
nomeadamente pela via da flexibilização e precaridade do emprego (4).
Ao ponto em que uma massa crescente desses assalariados se tornaram
“trabalhadores pobres” ou desempregados, vendo os seus rendimentos
afundar-se, frequentemente, abaixo mesmo do nível necessário à sua
reprodução enquanto proletários.
Entretanto,
esta agravação drástica das condições de trabalho não chega ainda para
inverter a tendência à subida do desemprego. Em numerosos países
desenvolvidos o Estado deve, cada vez mais, assegurar diretamente o
financiamento da mv necessária à sobrevivência do
capital, por via de subvenções diversas às empresas e pela via da tomada
a seu encargo de uma parte dos custos salariais e da manutenção dos
supranumerários (5).
Tudo isto os Estados financiam, maciçamente, cada vez mais através da
dívida, da qual sabemos que o seu crescimento é já tal que não pode
senão levar à bancarrota, se continuarem a alargá-la. Por isso, é
necessário apitar para o final do recreio, acabar com a ilusão de que
bastaria o endividamento e a criação de moeda para criar riqueza,
crescimento e emprego.
Compreender
a situação em que hoje patina a acumulação do capital, é compreender
também que reclamar a grandes gritos o crescimento e o emprego, como
fazem todos os partidos e os sindicatos, da direita como da esquerda,
leva apenas, no melhor dos casos, os proletários à aceitação de empregos
ainda mais degradados que os de ontem, e finalmente ao impasse da
precaridade e do desemprego. Não é ou um ou o outro, como os patrões
ameçam tão frequentemente (ainda recentemente na General Motors de
Estrasburgo) (6),
mas sim um e logo de seguida o outro. Assim o compreendem já muitos
proletários, que não se batem senão por partir com o máximo possível em
indemnização.
Perante a
impossibilidade manifesta de impedir a diminuição da quantidade de
trabalho proletário empregue, algumas organizações de esquerda propõem
soluções que se pretendem radicais. Seria necessário partilhar estes
empregos – de modo a que todos estes proletários tenham um emprego, cada
um deles trabalhando menos – e seria preciso ainda modificar a
repartição dos rendimentos, “tomando aos ricos”, de modo que todos estes
empregados tenham um rendimento decente. Teríamos assim “um emprego
para todos com um salário conveniente”!
É
tão simples o sistema dos vasos comunicantes! Bastaria que um governo
de esquerda abrisse a torneira dos rendimentos no sentido inverso! Salvo
que, no mundo da produção capitalista, a reprodução da sociedade
necessita da reprodução do capital, portanto, do aumento dos lucros à
medida da sua acumulação, do seu crescimento. Salvo que é
necessariamente o capital (os “mercados” no jargão dos economistas) que,
segundo as possibilidades de valorização, decide do crescimento, do
emprego, da repartição das riquezas, etc..
Esta evidência leva alguns a fomular proposições contraditórias. Por exemplo esta: “O
que está na ordem do dia não é... a saída do salariato, mas o direito a
um emprego assalariado, combinado com uma baixa do tempo de trabalho.
Garantir realmente este direito implica pôr em causa a mercantilização
da força de trabalho, portanto, atacar as relações de propriedade
capitalistas” (7).
Deste modo, este autor propõe conservar o salariato abolindo a
“mercantilização da força de trabalho”, ou seja... o salariato! Ele quer
o direito ao emprego e, dando-se talvez conta que esse direito já
existe, inscrito mesmo na Constituição, sem que isso tenha o mínimo
efeito prático, quer garanti-lo “atacando as relações de propriedade
capitalistas”. O que, para ele, não é o processo revolucionário de
abolição destas relações, mas as nacionalizações, que as mantêm de
facto, apenas com uma outra designação jurídica. Pois que, se se
tratasse do processo revolucionário, então não se trataria de partilhar o
emprego entre todos os proletários, mas sim entre todos os indivíduos
aptos ao trabalho, de modo a desenvolver o tempo livre necessário à
abolição da condição proletária.
Quanto
à repartição das riquezas produzidas, ela depende, no essencial, da
repartição da propriedade sobre os meios e as condições de produção, do
lugar que cabe a cada um na divisão do trabalho e do poder que daí
decorre. É claro que é sempre possível – nomeadamente quando a sua luta
se torna mais dura, ou em situações de pleno emprego – que os
proletários melhorem um pouco a sua situação. Mas isso não modifica
senão provisoriamente a tendência histórica do capital para aumentar a
sua pauperização relativa, e logo de seguida absoluta (um processo não
linear e desigual, segundo as diversas áreas económicas). O importante
não é tanto “tomar aos ricos” o que eles têm, mas sim os meios de que
eles dispõem para açambarcar tudo aquilo que têm.
No
melhor dos casos, com a estatização, como aconteceu nos regimes
estalinianos, os proletários conseguem um estreitamento da distância
entre a sua situação material e a da nova burguesia (a
burocracia-tecnocracia “comunista”). E também conseguem - pálida cereja
em cima do bolo negro do capitalismo estatizado - ser santificados como
os pilares mestres desta nova sociedade, desde que aí trabalhem como
stakhanovistas (8),
sendo esse trabalho forçado louvado pela nova burguesia como a
atividade revolucionária por excelência! É o que Marx e Engels
qualificavam como “socialismo burguês”, que “eterniza o manobrismo
profissional”.
Rumo à abolição do capital e do proletariado
Hoje
em dia, para o capital, os proletários são, cada vez mais, em excesso.
Para os proletários que recusem ser expulsos da sociedade e da vida, é o
capital que está “a mais”. É preciso fazê-lo abolir, para que a sua
própria e simultânea abolição os transforme em homens diferentes, mais
ricos de qualidades e de liberdade, evitando a sua destruição pela
pauperização crescente e pelas guerras genocidas. Uma tal revolução não
pode ser decretada, como é óbvio. É preciso que se reúnam as suas
condições próprias. E é preciso, portanto, saber em que ponto está o
desenvolvimento histórico do capital, quanto à realização destas
condições, a fim de determinar o que é possível, de imediato, e qual o
caminho que resta percorrer.
Estas
condições são de duas ordens, mais ou menos autónomas mas não
independentes: 1ª) De ordem material, objetiva; 2ª) De ordem subjetiva,
no domínio da atividade prática. Elas são, pois, para as resumir muito
sucintamente:
1ª) A
“abundância”, no sentido de que a produção dos bens necessários à vida
exige relativamente pouco trabalho constrangido, repulsivo, em resultado
da potência dos meios de produção (portanto, não no sentido de uma
produção ilimitada de tudo e não importa o quê). O que se resume, muito
simplesmente, nisto: abundância de tempo livre para atividades livres;
2ª)
A organização dos proletários em classe, em proletariado unido contra a
burguesia, e, em primeiro lugar, para derrubar o Estado, que é a
organização da classe burguesa.
Ora,
presentemente, a primeira destas condições é absolutamente realizável,
pois que o próprio capital reduziu consideravelmente o trabalho
proletário, podendo este ser ainda mais diminuído por meio de medidas
como:
- A supressão ou
redução ao mínimo de todas as espécies de funções (por exemplo, as
funções financeiras, publicitárias, numerosas funções jurídicas,
mediáticas, políticas e burocráticas, etc.).
-
A eliminação de desperdícios, de produções e trabalhos inúteis a uma
sociedade organizada racional e humanamente (por exemplo, as indústrias
do luxo, a automobilização total).
-
A afetação de todos estes indivíduos, assim tornados disponíveis, bem
como de todos desempregados, é claro, a uma parte do trabalho
constrangido. Esta potencialidade real (9),
que é vivida nos dias de hoje pelas massas como desemprego ou trabalho a
tempo parcial e intermitente, é uma base para o desenvolvimento da
segunda condição, pois que, evidenetemente, ela se reflete mais ou menos
nas consciências.
Mas não
se trata de um “reflexo” formado automaticamente como consciência desta
finalidade: derrubar o Estado burguês. Toda a gente sabe que a
influência da ideologia burguesa pode levar, e leva frequentemente, uma
parte dos proletários para os caminhos catastróficos do estatismo, do
nacionalismo, da concorrência e da guerra. Ora, isto não se deve só a
uma propaganda artificial. A ideologia burguesa é forte porque repousa
sobre múltiplas bases materiais bem reais, como a aparência da relação
capitalista à superfície da vida social (aquilo que Marx chamava de
fetichismos da mercadoria e das formas preço, salários, etc.), a
história particular das diversas formações sociais e as suas posições
recíprocas na divisão mundial do trabalho, os interesses dos diversos
aparelhos (partidos, sindicatos) que colaboram na “regulação” e no
desenvolvimento do capitalismo, etc..
Deste
modo, uma opção essencial e imediata para os proletários se apresenta,
em resumo, como se segue: ou defendemos “o nosso emprego”, cada um pelo
seu lado, aceitando que ele depende sempre do capital, estatizado ou
não, e então bater-nos-emos em seu apoio, pelo mais forte crescimento
possível. E então é o abandono, a submissão, a aceitação de um trabalho e
de um salário cada vez mais degradados, sob pretexto de que na China,
no México ou alhures os operários são ainda mais explorados. E então, é
também a tentativa de combater esta concorrência (este “dumping”
social, como nos dizem) precipitando-nos no protecionismo, no
nacionalismo, numa pretensa “identidade” nacional, comunitária ou
religiosa. Então, deste modo, participamos na concorrência entre
capitais, fazendo também uma concorrência entre proletários. As duas
guerras mundiais precedentes provam que esta é a pior forma pela qual
podemos suportar o capital, sob o pretexto de que suportamos o “nosso”
capital, esperando assim, baldadamente, que ele nos empregue melhor.
A
opção alternativa é apoiarmo-nos no movimento histórico da diminuição
da quantidade de trabalho proletário necessária à produção, compreender
que ele não é uma catástrofe senão para o capital, e, recusando que ele
se torne numa para nós, derrubar o poder do Estado burguês. Poderemos
então reduzir e partilhar entre todos esta quantidade de trabalho
remanescente, reorganizando toda a produção, a fim de acrescer ao tempo
livre disponível, o que nos permitirá apropriarmo-nos de todos os meios,
materiais e inteletuais (dito de outro modo, os resultados do trabalho
das gerações do passado), da produção da nossa vida e da da nossa
comunidade. Isto será o começo de uma verdadeira transformação das
relações sociais e dos próprios indivíduos, que criarão para si próprios
novas necessidades e atividades.
Esta
via revolucionária não é, de modo algum, utópica, pois que se apoia
sobre uma realidade que se desvenda nesta época da história do
capitalismo. A saber: a extraordinária potência dos valores de uso
produzidos, que faz entrever como uma perspetiva concreta a abolição da
condição proletária. Não através do fim imediato do trabalho
constrangido, conforme imaginam alguns – estamos ainda muito longe de
uma produção inteiramente robotizada – mas como a possibilidade de uma
redução tal da parte do trabalho constrangido (repulsivo mas necessário)
que ele se tornará cada vez mais secundário, no conjunto das atividades
a que se dedicam os indivíduos e que os formam. O que seria
determinante seria então o trabalho livre, fundado sobre o tempo livre, o
trabalho que permite o desenvolvimento de todas as qualidades dos
indivíduos, o seu domínio cada vez maior sobre a autoprodução social da
sua vida, e o maior desenvolvimento científico, artístico e cultural de
todos.
Vemos bem que a
análise da situação do capital senil quanto à sua reprodução – e,
portanto, quanto à reprodução da sociedade burguesa – conduz a este
resultado que restringir o futuro a alternativas tais como crescimento
ou decrescimento, capitalismo verde ou capitalismo vermelho, liberalismo
ou estatismo, direita ou esquerda, é querer organizá-lo como uma
catástrofe para a humanidade, uma destruição total. É preciso então
escolher a outra destruição possível: a do capitalismo, o que quer
dizer, in fine, a da apropriação privada dos meios materiais e inteletuais da produção dos homens por si próprios.
A
propriedade, em geral, é uma aptidão para a apropriação das condições
de existência, os seus meios, bem como a capacidade, o saber, a arte de
os usar (e de não ser usado por eles!). A propriedade jurídica, o
direito de propriedade não é senão uma formalização. O direito é
superficial, uma constatação formal das relações sociais, mas a
propriedade efetiva é ativa, é um comportamento específico, determinado
pelos meios que se possuem, ou não, para agir, para se desenvolver,
adquirir as coisas, os conhecimentos, as qualidades. A propriedade
privada do mundo burguês nega o caráter social de tudo aquilo que foi
produzido, e pôde assim ser apropriado. Ela faz dos outros simples meios
(quase que coisas) para os proprietários, indivíduos a explorar, a
vencer e a pilhar, com o fito de poder apropriar os resultados do seu
trabalho. Neste mundo burguês reificado, dominado pelo valor de troca (o
dinheiro), é sobretudo, e antes do mais, a atividade de açambarcamento
das coisas, do dinheiro que as representa, dos meios de trabalho que as
produzem, o que constitui a propriedade.
No
movimento revolucinário comunista, a propriedade será criação de outras
necessidades e atividades superiores. O tempo livre é uma base para
mudar o próprio proletário que, enquanto tal, pertence também ao mundo
capitalista, mesmo não tendo outra propriedade para além da sua força de
trabalho. «O tempo livre – que é tanto o tempo de lazer como o
tempo destinado a uma atividade superior – transformou, naturalmente, o
seu possuidor num sujeito diferente, e é enquanto tal que ele entra
então no processo de produção imediata» (10)
e na vida social inteira. Sujeito diferente, possuidor de
potencialidades diversas e superiores, com relações sociais diferentes
em resultado destas suas novas potencialidades, e também comportamentos
diferentes, porque melhor dominados, mais responsáveis, mais conscientes
das transformações que restam a realizar para abolir o capital. Não
apenas a forma de produzir, mas também o que eles produzem, isto é, as
necessidades que eles satisfazem, tudo isso se modifica ao mesmo tempo
que os proletários elevam as suas capacidades de apropriação, praticam
um trabalho cada vez mais rico, «uma atividade superior». «Produção,
relações de produção, relações sociais e sistemas de necessidades, não
são mais, como o sabemos, que diferentes aspetos de um só e mesmo
edifício social, implicando-se todos mutuamente. A estrutura das
necessidades é uma estrutura orgânica inerente ao edifício social na sua
totalidade» (11).
O
homem rico é aquele que desenvolve as necessidades e as aptidões mais
elevadas no maior número de domínios possível. Desenvolver um homem (ou
uma sociedade) superior, é desenvolver atividades que façam apelo a
capacidades científicas, artísticas, criativas, superiores. É
desenvolver a necessidade de adquirir o máximo possível dessas
qualidades. E a necessidade de as desenvolver, o que não se pode fazer
ao mais alto nível senão na medida em que todos participem neste
movimento, trocando livremente as suas criações. A ciência, mas também
as artes, a cultura em geral, saem então da estreita camisa de forças
onde eram encerradas e determinadas – como simples e vulgares
instrumentos do lucro - pela dominação do valor de troca nas atividades e
relações humanas. A necessidade de açambarcamento mesquinho e egoísta
desaparece progressivamente, quanto mais não fosse porque as
qualidades não se poderiam comprar nem acumular até ao infinito (as
capacidades humanas são aí um limite, enquanto no açambarcamento das
coisas não há limites), e porque teremos necessidade de fruir das dos
outros para desenvolver as nossas próprias.
Deste
modo, o processo revolucionário que destrói o capital destrói também a
condição de proletário (e vice versa). É certo que ele não é engendrado
pela crítica teórica do capital, por muito radical que ela seja, mas
pela crítica das armas, para satisfazer as necessidades radicais dos
proletários. As necessidades imediatas dos proletários são,
evidentemente, engendradas pela sua situação dentro do capitalismo,
estão situadas na estrutura das necessidades do capitalismo. Elas
tornam-se radicais quando se tornam uma exigência necessária dos
proletários que não pode mais ser satisfeita dentro destas estruturas. É
então um antagonismo que se desenvolve, a colocação em causa da
dominação do capital.
À descoberta da radicalidade
Presentemente,
as necessidades imediatas dos proletários surgem-lhes ainda como
ligadas à sua sobrevivência como proletários: ter um rendimento que a
possibilite, seja ou não ligado a um emprego. Ora, a situação atual do
capital não lhe permite satisfazê-las, pelo menos para a maioria dos
proletários. Para o capital, o que é preciso é menos empregos, mais
precários e pior pagos, mais supranumerários definitivos e “sem nada”
(sem papéis, sem alojamento, sem trabalho, etc.), em vias de destruição.
As
necessidades imediatas dos proletários tornam-se então necessidades
radicais, que não podem ser satisfeitas senão por intermédio de uma
oposição radical ao capital, e não já negociando com ele pacificamente
uma melhoria da sua condição (mesmo que isso possa ainda ser o
resultado, mais ou menos provisório, de uma luta radical localisada, de
uma batalha num momento particular da guerra de classes).
É
certo que, de momento, a luta dos proletários é ainda enfraquecida pela
poderosa tradição reformista que continua a pesar, e que se fundava no
facto de que lhe era possível em certos momentos (em França, por
exemplo, com a Frente Popular, na Libertação, numa situação de pleno
emprego com a dos anos 1960) afirmar-se como uma força capaz de obter do
capital concessões não negligenciáveis. Essa luta é ainda enfraquecida
pela segmentação que o capital conseguiu operar na situação dos
proletários, com base na qual se desenvolvem lutas, também elas,
segmentadas. Por exemplo, em França: contratados / precários,
funcionários públicos / do setor privado, desempregados / ativos, ativos
/ reformados, imigrantes / autóctones, sem esquecer as grandes divisões
nacionais no mundo, a divisão internacional de funções e trabalhos, o
imperialismo moderno.
Unificar
as lutas implica, bem entendido, que os proletários se descubram um
objetivo comum, formando-se assim em classe, uma força constituída como
una pelo seu antagonismo absoluto à burguesia. Objetivo de que podemos
aqui esquiçar as linhas mais gerais, em traços largos: atacar, derrubar e
dissolver a superestrutura capitalista (o Estado, a sua justiça, a
polícia, os media, etc.), de modo a poder partilhar o trabalho
constrangido e as riquezas produzidas entre todos, desmultiplicar o
tempo livre como condição para que os proletários possam se apropriar
das condições de produção, desenvolver o internacionalismo comunista,
exercer realmente o poder que levará o processo revolucionário ao seu
fim.
Fazendo isto, eles não
se batem apenas como proletários querendo melhorar a sua condição,
reproduzindo assim o capital e reproduzindo-se a si próprios como
dominados e explorados por aquele. É que, numa tal luta, a luta de toda
uma classe para derrubar o poder de uma outra, eles começam já a
transformar-se a si próprios, a tornarem-se em algo diverso de
proletários, pelo facto de exercerem uma actividade livre. A luta e
apenas a luta, para começar, afirma-os já como senhores do seu destino,
mestres da sua vida, isto, é evidente, dentro dos limites que lhes são
impostos pelas próprias condições dessa luta. Afirma-os já, portanto,
como não-proletários, antes ainda de descobrirem todas as lutas que
terão de travar para o conseguirem ser plenamente.
Hic Rhodus, hic salta,
poderemos hoje repetir, seguindo Marx. É aqui e neste momento que a
situação do capitalismo impõe aos proletários, queiram-no eles ou não, a
seguinte escolha: destruir o capital ou ser destruídos por ele. Não é a
teoria que pode destruir, mas ela pode aclarar esta escolha,
mostrando-lhe os proponentes e as saídas, as causas certas e as
consequências esperadas. Sobretudo – e aí reside a utilidade principal
do trabalho teórico – ela deve se esforçar por mostrar que o que
constituem causas de crise para o capital, representam também meios para
a sua abolição, meios de uma transição ao comunismo. Assim fazendo, o
trabalho teórico deve também contribuir para desmascarar e combater
todos os falsos amigos do proletariado, a ala esquerda da burguesia cujo
pessoal político (frequentemente saído das camadas pequeno e médio
burguesa, representando também os seus interesses particulares no seio
do interesse geral burguês) quer ser impulsionado à cabeça do Estado,
tornando-se califa no lugar do califa. Estes falsos amigos são, muitas
vezes, mais perniciosos, porque mais difíceis de desmascarar, que os
outros inimigos. Mas é necessário consegui-lo, para que os proletários
se formem em classe independente. Como é evidente, o processo pelo qual
eles aí chegarão não nos é conhecido hoje, em todas as suas
determinações. Estas dependerão, nomeadamente, das situações concretas
da luta, aí compreendidas as suas conexões mundiais, o que deverá ser
objeto de análises particulares (pense-se, para citar apenas um exemplo,
no desenvolvimento rápido em numerosos países da ameaça de um
neo-fascismo!).
É verdade
que esta não é a primeira vez que marxistas afirmam ter o capital
chegado a um estado de senilidade tal que a sua acumulação estava
comprometida, ao ponto de não haver outra escolha senão entre
“socialismo ou barbárie”, segundo a fórmula da grande Rosa Luxemburgo. E
o capital mostrou, até aqui, nomeadamente após a grande crise dos anos
1930 e a Segunda Guerra Mundial, que podia ainda transformar
suficientemente as relações de produção e estender a sua área de
valorização para retomar a sua acumulação a uma escala mais vasta. Mas
não o conseguiu sem haver realizado também um dos lados da previsão,
isto é, sem ter desenvolvido a barbárie até ao nível dos extermínios em
massa e das guerras “totais”, em que a destruição nuclear do mundo se
tornou, pela primeira vez, uma perspetiva real. E se ele se restabeleceu
sempre, até aqui, nem por isso é certo que ainda o possa fazer. Pelo
contrário, a sua crise atual manifesta (assim o tentamos demonstrar) que
um tal restabelecimento já não é hoje possível, que a senilidade do
capital é sem remissão, definitiva, restando apenas a barbárie, que
aliás vemos já perfeitamente à solta, estando a crise ainda nos seus
inícios. Só o triunfo da luta revolucionária pode impedir o seu advento.
Destruir
o capital ou ser destruído por ele. É preciso não confundir o facto de
que o capital cria, ele próprio, as condições da sua desaparição com a
ilusão de que desparecerá por si mesmo, se autodissolverá por completo,
sem um processo de lutas revolucionárias. O que o capital destrói, na
sua crise, manifestando o amadurecimento das condições da sua
dissolução, são também essas próprias condições: meios de produção,
riquezas acumuladas, proletários e homens aos milhões. É destruindo as
condições existentes de uma nova fase histórica de desenvolvimento
humano que o capital se esforça por sair da sua crise, sem excluir
prosseguir esse movimento até à destruição das próprias condições de
vida. É isto a sua “autodestruição”, a sua “autodissolução”, a sua
“solução final”. É destruindo o capital, ou seja, as relações
capitalistas de propriedade, de produção, que os proletários assegurarão
o futuro da humanidade inteira. É bem por isso que a luta de classes é
sempre o motor da história e a revolução proletária o único futuro
positivo da humanidade.
agosto de 2010
(*)
Tom Thomas é um ensaísta marxista francês, residente em Paris. Durante
muitos anos militou em diversos agrupamentos da esquerda
marxista-leninista, tendo fundado 'La Voie Proletarienne'. Actualmente é
um escritor independente, sempre comprometido, tendo vindo a
desenvolver uma obra muito importante para a renovação do marxismo, com
dezanove títulos publicados, desde 1988. Algumas destas obras foram
publicados em língua portuguesa nas edições Dinossauro, Lisboa: ‘A
ecologia do absurdo’ (1994), ‘Breve história do indivíduo’ (1997), ‘A
hegemonia do capital financeiro e a sua crítica’ (2000), ‘O Estado e o
capital: o exemplo francês’ (2003), ‘A crise crónica ou o estádio senil
do capitalismo’ (2007). O texto aqui publicado é o último capítulo, com
alguns acrescentos colhidos no miolo do seu penúltimo livro ‘Démanteler le capitalisme ou être broyés’,
Éditions Page Deux, Lausanne, 2011. ‘O Comuneiro’ nem sempre acompanha o
purismo salvífico da concepção de revolução presente neste autor, mas
entende que ele apresenta méritos críticos que sobrepujam, em muito,
aquilo que porventura terá também de criticável. Tradução, arranjo do
texto e subtítulos de Ângelo Novo.
_____________
NOTAS:
(1)
Há ainda outras razões, para além das aqui citadas, tais como a massa
de capital excedentário que deve ser destruída, os limites atingidos
pela globalização, bem como pela extensão do crédito e das dívidas,
etc., mas estes são estimulantes exteriores, já por mim tratados noutras
obras, pelo que não as considerarei aqui.
(2)
Pelo menos segundo o que é medido pelo PIB, que exagera claramente o
crescimento do capital produtivo. Observemos, por outro lado, que um
crescimento de 10% na acumulação num país em que ostock inicial de capital é fraco não compensa necessariamente uma diminuição de, por exemplo, 2% num país onde esse stock é mais elevado.
(3)
Trabalho necessário: a quantidade de trabalho social que reverte para o
proletário, sob a forma de salário, correspondendo ao que lhe é
necessário para a sua reprodução enquanto proletário.
(4) Ver Tom Thomas La Crise. Laquelle? Et après?, Ed. Contradictions, 2009, Secção 5-2, pp. 75 a 94.
(5)
Não apenas em França, pretenso paraíso das “prestações sociais”. Por
exemplo, no Reino Unido, reputado paraíso do liberalismo “existem 5
milhões de cidadãos dependentes de subvenções do Estado” (Les Echos, 3.5.2012).
(6)
Os cerca de 1.500 assalariados da fábrica GM tiveram que aceitar, na
sequência de um referendo organizado pela CFDT/CFTC/FO, um congelamento
dos salários durante dois anos, a supressão dos prémios e a redução a um
terço dos 17 dias de dispensa de serviço, face à chantagem de uma
deslocalização da empresa para o México.
(7) Antoine Artous, Travail et émancipation social. Marx et le travail, Ed. Syllepse, 2003, pág. 17.
(8)
Deste modo, Maurice Thorez, aquando da libertação do jugo nazi, falando
do mineiro, símbolo do proletário na versão do P.C.F.: “Que
grandeza nesta luta encarniçada contra a matéria, neste corpo a corpo
perpétuo em que o homem, agachado, muitas vezes escondido, em todas as
posições de combate, arranca o carvão ao abraço da rocha que o encerra” (Action, 22.3.1946, citado em Histoire de la vie privée, P. Ariès, G. Duby, Tomo 5, “De la Première Guerre Mondiale à nos jours”,
Ed. Le Seuil, 1987, pág. 435). Por pouco, deveríamos invejar o trabalho
do mineiro (silicose incluída?), na apreciação de Thorez. André Malraux
pôde permitir-se, nas suas Antimémoires (Gallimard, Folio, pág. 138), prestar-lhe esta homenagem da burguesia reconhecida: “Thorez observou sempre a regra do jogo: colocar o partido comunista ao serviço da reconstrução da França”. Do capitalismo francês, acima de tudo!
(9)
Por exemplo, e para começar, uma semana de trabalho constrangido da
ordem das 20 horas semanais por pessoa, em países como a França (cf. Tom
Thomas, Crise, Technique et Temps de Travail, Edição do Autor,
Paris, 1988). Pode-se, desde já, observar que, tomando em conta os
desempregados, os precários e excluídos de diversa ordem, a média
semanal de trabalho social já não excede as 30 horas, hoje em dia, nos
países desenvolvidos. Sobre esta matéria leia-se Tom Thomas, ‘Trabalhar
todos, menos, de outra forma’
(http://www.ocomuneiro.com/nr02_01_Trabalhar%20todos,%20menos,%20de%20outra%20forma.htm),
artigo publicado no nº 2 de ‘O Comuneiro’ (março de 2006).
(11) Agnes Heller, La théorie des besoins chez Marx, U.G.E. 10/18, 1978, pág. 138.
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